Foto: Salvador Dali
Ao contrário do que se pensa o
tempo não é inimigo da beleza. Pensando direitinho você vai perceber que a
beleza exige tempo para poder existir. Seria tudo muito frio se com o tempo, as
coisas não se desgastassem. “Panela
velha não faria mais comida boa”, o nosso velho cobertor desgastado não teria
nosso cheiro, e nem reconheceríamos o “chiado” da chinela de nossa velha mãe ao
perceber seus passos já cansados ao se aproximar... E mais: ficaria impossível
reconhecer o barulho do “carro” do papai, ou conseguir sentir-se confortável ao
vestir aquela velha roupa surrada. Eu sei que muitos adorariam, mas, você já
pensou como seria chato viver num mundo onde tudo parece que acabou de sair da
fábrica? Entrar num museu, por exemplo, e ver as esculturas e afrescos com
jeito de que acabaram de sair das mãos de seus criadores... Ou o tempo pareceria
estar parado, ou os artistas deveriam ser eternos em sua produção... Mas, isso
daria às coisas “aquela beleza”, aquela...?
Aquela beleza das coisas que possuem história? Não. É por isso que a beleza exige tempo para existir. Sem o passar do tempo, as coisas não
adquiririam e nem produziriam formosura, tampouco história. Dizem que os dias
parecem mais curtos e que com tanta coisa a se fazer, o “feio” quase se passa por
“bonito”, afinal, ninguém tem tempo pra essas “frescuras”. Mas as pessoas não só pensam no belo?! Sim, só que nem sempre da forma que deveriam
pensar... Na correria dos dias a gente só tem tempo para o “belo” quando é para
escolher um carro novo pra comprar, ou quando é pra escolher um namorado ou
namorada. E o resto? Do resto é tempo que não se quer perder, que não se pode
perder...Falando nisso, você se lembra da beleza encontrada nos caminhos por
onde costumava passar, quando não tinha carro? O verde das árvores, o canto dos
pássaros, o cheiro das flores... Tudo isso tinha seu toque de beleza quando
você “perdia” um pouco de seu tempo, parando para admirá-los. Mas as pessoas preferem
o conforto dos carros; E não só isso, preferem a praticidade das comidas fast-food esquentadas no
“microondas”; preferem também que
suas casas fiquem perfumadas com “bom-ar” a ter um lindo jarro de flores,
porque flores exigem cuidado e tempo.
Com nossas manias de não perder tempo,
consumimos mais, poluímos mais e pensamos menos. As próprias pessoas são as
culpadas pelo aquecimento global que vem derretendo até seus neurônios; Estão
acabando com a beleza existente na Terra, derretendo as geleiras e congelando
seus próprios corações... Reciclar tornou-se
um atraso, bom mesmo é usar, abusar
e jogar fora.
Lembra da existência
daquelas TV’s que
nossos avós possuíam? Deveria ser uma emoção só esperar a
TV esquentar, na ansiedade de poder
assistir a mais um capítulo da
novela exibida em
preto e branco.
Hoje, tem gente
que simplesmente joga
fora sua velha
e útil televisão, para
comprar uma outra
com tela de
cristal líquido (as
famosas LCD). Quem
iria querer esperar a televisão
esquentar? Nada de esquentar, temos que ser frios, gelados - somos a geração
“coca-cola”! Somos a geração da praticidade dos 0800, da rapidez,
e apostamos, inclusive, na
engenharia dos relacionamentos descartáveis, arranjados em salas de bate-papo
ou por gente que vê no dinheiro e na política suja, a chance de ter um
casamento (acordo) feliz.
Certamente, muitos já estão esquecendo nas páginas de um livro (que nunca foi
aberto), a verdadeira “essência do amor”,
que, diga-se de passagem, demanda tempo para ser conquistado diariamente. Somos gente cheia de stress,
que grita no trânsito, que não caminha (em vários sentidos), e ainda
reclama da barriga e das altas taxas de colesterol. Somos a geração do besteirol! Gente que pensa
que a beleza está na estética, nas coisas novas, e que vê na velhice
o horror dos que estão “ultrapassados” e castigados pelos anos.
...Correr pra dar um recado é
coisa de pobre, bom mesmo é usar o celular! Esperar e enviar cartas pelos
“correios” é coisa obsoleta, temos o e-mail... Falando nisso, quem se
recorda de como era emocionante esperar
para ver as
fotos que eram
“reveladas” e aproveitar
para ver se
alguém saiu fazendo careta? Estamos na era das “câmeras digitais”, e a
espontaneidade das “velhas” fotos reveladas em câmaras escuras é coisa de gente
brega e pobre, de fotógrafo arcaico...
Veja quão breve é o tempo
e quão breve é a beleza das
coisas neste tempo, diante das tantas outras
agora em desuso! Nossa mãe der
repente virou a “velha lá de casa”, a
esposa e companheira de jornada é
a “dona encrenca” - linda mesmo é a “boa” da TV ou
do bar... Pra que sonhar em rever
“a namoradinha do portão”? Legal é cair na balada!
Diante disso
tudo, você e eu sabemos
que haveriam aqueles
que prefeririam seguir
o rápido avanço das tecnologias,
vendo o tempo “surfar nas ondas do nanismo”, enquanto haveriam outros, os quais
lhes bastaria viver no arcaísmo... Porém, bom mesmo é acreditar que ainda há
gente que sabe que a beleza exige tempo para existir, e que
por isso segue sua vida aproveitando as coisas (que a cada dia diminuem de tamanho), não
deixando que as outras percam sua grandeza. É
necessário que nunca se abandone
a marcha, o passo e o caminho
que em boa parte já foi percorrido – isto requer tempo e produz beleza.
(Paulo Afonso, Abril de 2007, por
Cibelly Araújo).